quarta-feira, 11 de julho de 2012

Sobre a Marcha das Vadias


Zenilda Reggiani Cintra, pastora e jornalista, Taguatinga, DF

Hoje em dia as mulheres são taxadas de vadias por qualquer motivo. Jovens, meninas, mulheres de todas as idades recebem esse adjetivo até mesmo de outras mulheres, por causa de discussões, diferenças de opiniões, rivalidades, brigas com namorados ou maridos e, pasmem, até mesmo quando a mulher é estuprada, por mais incrível que pareça.

Foi por este último motivo que surgiu a Marcha das Vadias, acontecida no último final de semana de maio, em vários locais no Brasil, como parte de um movimento internacional. O nome veio em razão da palavra de um policial canadense a respeito de segurança em uma universidade na qual estavam acontecendo vários casos de estupro. Como medida de prevenção, orientou as mulheres a não se vestirem como vadias.


As palavras do policial se tornaram o mote para a marcha, um protesto contra a crença de que as mulheres que são vítimas de estupro pediram isso devido as suas vestimentas. Para impactar a opinião pública, as participantes usam roupas provocantes como blusinhas transparentes, lingeries, saias, salto alto ou apenas sutiã e escrevem frases pelo corpo.
É lógico que a roupa da mulher, ou a falta dela, não justifica o estupro, mas isso não significa que concordamos que uma mulher possa vestir-se de maneira indiscreta, expondo o seu corpo indevidamente. Mas ainda que assim seja, nada justifica o estupro, ou o uso da palavra vadia para ofender uma mulher e, muito menos, como nome para uma Marcha. “Pra mim, o nome ideal seria ‘Marcha das Mulheres Livres’, mas não teria tanto impacto na mídia”, opina Tica Moreno, blogueira militante (www.tpmrevista.com.br). As mulheres enfatizam um termo pelo qual são estigmatizadas, procurando dar a ele um significado positivo. “Eu acho muito difícil reapropriar o significado de um nome”, afirma Lola Aronovich, professora da Universidade Federal do Ceará, e cronista de cinema, também na revista TPM.
É lamentável que uma mulher cristã não possa participar de um ato de protesto, legítimo e que busca a justiça, por causa da maneira como ele acontece. Sentimo-nos constrangidas pelo nome e pela forma como as mulheres são expostas na marcha. Não é porque uma mulher cristã é escolarizada e militante que se justificam atitudes que depõem contra seu testemunho cristão, por mais que saibamos que devemos empreender todos os esforços para combater o estupro.
Muitos dos sofismas deste tempo trabalham sutilmente contra os nossos valores mais profundos e relativizam a integridade de uma mulher. Nossa maneira de lutar também passa pela ética cristã: “Porque as armas da nossa milícia não são carnais, e sim  poderosas em Deus, para destruir fortalezas, anulando nós sofismas e toda altivez que se levante contra o conhecimento de Deus” (II Cor. 10.4,5).

Extraído de O Jornal Batista, ed. 28, de 08/7/12
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segunda-feira, 2 de julho de 2012

Meu direito de ser triste



















Ester Carrenho, da revista Cristianismo Hoje

Pego emprestado o titulo de um artigo do psiquiatra infantil, Oswaldo Di Loretto para falar do quanto tendemos a fugir das tristezas que são naturais no decorrer da vida. Nos tempos bíblicos do Antigo Testamento, o pranto fazia parte da cultura israelita. Era comum as pessoas aparecerem em público vestidas com panos de saco e com cinzas sobre a cabeça, como sinal de uma tristeza profunda decorrente do luto ou de um drama humanamente sem solução. Todos respeitavam a atitude, e muitos eram solidários ou se identificavam com o sofredor. Ou seja, havia um espaço na vida das pessoas para se entristecer e aceitar a tristeza do outro.

O tempo passou, alguns hábitos foram extintos e novas posturas ganharam espaço. Hoje, vivemos uma época em que a tristeza é vista como um mal que deve ser evitado a todo e qualquer custo. Isso fica claro quando não queremos contar a verdade sobre um diagnóstico de doença terminal e usamos argumentos paliativos em relação ao doente, ou quando oferecemos calmantes a alguém antes de contar da morte de um amigo ou parente próximo. Em muitos cultos religiosos, os fiéis são até estimulados a jogar a tristeza fora, como se o abatimento e a angústia fossem sentimentos prejudiciais e não aceitos por Deus.

E o problema começa bem cedo. As crianças não têm a permissão para ficarem tristes. Os pais sempre dão um jeito de arrumar algum entretenimento para o pequeno que quebrou o brinquedo favorito ou perdeu o bichinho de estimação; rapidamente, o filho choroso é contemplado com um novo brinquedo ou outro animal, sem ter tempo para internalizar o sofrimento e amadurecer diante da dor da perda. Pior ainda é quando se oferece um chocolate ou bala para a criança entristecida, como que querendo “adoçar” algo que deve ser vivenciado, e não camuflado. 


No caso dos adultos, é grande o arsenal de drogas medicamentosas que têm a capacidade de amenizar e bloquear a tristeza, promovendo uma alegria mecanizada e sem contentamento. Em nossa sociedade, toda manifestação de tristeza é vista como um tipo de depressão que precisa ser medicada.
Esquecemo-nos, contudo, que quem não consegue vivenciar a tristeza em toda sua profundidade também não conseguirá sentir a alegria em toda sua intensidade. Engana-se quem pensa que só a alegria expressa satisfação e contentamento na vida. É possível experimentarmos a tristeza, mesmo que intensa, e ainda assim revelarmos um coração satisfeito e contente, produzindo tesouros para nós mesmos e para os outros. “A poesia nasce da tristeza”, diz Rubem Alves.
Todos, mais cedo ou mais tarde, passaremos por tristezas. Algumas serão leves e passageiras; outras, profundas, como as perdas trágicas e inesperadas. Outros carregarão sempre uma história de privação e desamparo. Porém, podemos reconhecer as dores vividas e encontrar, no lamento – às vezes, milagrosamente –, cicatrização das feridas. Claro, tentamos fugir da tristeza porque é um sentimento que traz dor e desconforto. No entanto, há também beleza e crescimento no caminho da dor. A compaixão, a misericórdia, a ternura e o amor são desenvolvidos com muito mais profundidade por aqueles que se abrem e corajosamente vão até o fim no processo de se entregar às situações de profunda tristeza, estejam elas presentes ou circunscritas ao passado.
Salomão, rei de Israel nos tempos bíblicos e tido como um homem extremamente sábio, descobriu essa realidade. São dele as palavras: “A tristeza é melhor do que o riso, porque o rosto triste melhora o coração”. Cristo, por sua vez, experimentou o pranto publicamente, quando chorou a morte de seu amigo Lázaro. A caminho do Calvário, o Filho de Deus entristeceu-se profundamente diante da perspectiva de tamanho sofrimento. Em outras ocasiões, contudo, ele foi a festas e alegrou-se com seus discípulos. Então, podemos concluir que tanto a tristeza quanto a alegria são sentimentos que fazem parte do ser gente.
Quem conhece a tristeza no próprio ser sabe acolher as pessoas que passam pela dor. Gente assim consegue aceitar, respeitar e criar espaços para que aqueles que derramam lágrimas de tristeza, seja lá qual for a razão, possam se vestir de “saco e cinzas”, sem censura.